quarta-feira, 1 de outubro de 2014

 

Hoje eu vi uma atriz compartilhando essa matéria em seu facebook.

Peças infantis genéricas lotam teatros mesmo com atuações e cenários ruins.

A matéria crítica as peças genéricas que estão invadindo há anos os teatros brasileiros. Peças e filmes com direitos autorais garantidos estão sendo produzidas sem a autorização dada pelos donos dos direitos e estão movimentando um bom dinheiro. Paródias da galinha pintadinha e peças da Disney como Frozen, são citadas pela reportagem. Eu posso falar como conhecedor do assunto, pois trabalhei alguns anos em uma Cia que se sustentava quase que exclusivamente por essas peças genéricas, salvo por pouquíssimas exceções que não davam retorno financeiro.

Primeiro é importante deixar claro que os grandes centros de teatro, onde há público garantido e a qualidade que é importante pro sucesso, não dão créditos para produtoras que tem esse tipo de peça como carro chefe. Moro no Rio de Janeiro e somente algumas dessas produtoras encaram o desafio de pagar o valor de um teatro na Gávea, na Barra ou até no Miguel Falabela que fica na Zona Norte, mas que se encontra dentro de um dos maiores shoppings da região. Sendo assim elas ficam "reféns" de espaços com pouca expressão ou com um público mais restrito pela região, além de espaços públicos administrados por terceiros, que é o caso das lonas culturais e as novas arenas. Esses lugares não cobram um aluguel determinado, mas sim uma taxa mínima que é bem tranquila de ser alcançada, mas ao ser alcançada exigem entre 20 a 30 por cento da bilheteria.

O produtor então entra num jogo perigoso. Ele quer produzir e decidi que irá encarar os desafios, mas sem dinheiro ele usa a sua lábia, e ao invés de buscar crédito em bancos e financeiras, ele busca crédito com os profissionais artísticos. Assim ele escreve o roteiro e abre para testes. Os atores que não tem oportunidades no mercado são os que aparecem nesses testes. Assim que forem aprovados eles colocam uma corda no pescoço, pois o produtor deixa claro que não pagará o período de ensaios, mas explica que 20% da bilheteria de cada peça irá ser dividido para os atores. Assim ele faz uma conta rápida e percebe que com o teatro lotado, eles tem como conseguir um bom dinheiro e aceita. Se rodar por um ano ele consegue até um belo lucro.

Ingresso Mirim é um dos vários sites que dão descontos para essas peças

O produtor encara a direção ou distribui de 5 a 10 por cento da futura bilheteria para um diretor, Daí ele faz orçamento para figurinos e cenários e compra os materiais orçados em cartão de crédito ou promete pagar com dinheiro da renda da peça que irá estreiar. Assim o produtor continua vivendo de crédito e de promessas por uma bilheteria que ainda não é realidade. Ele faz o mesmo papo nas gráficas e consegue material de divulgação. Ele fica de dois a três meses conseguindo pauta, ensaiando elenco cada vez mais insatisfeito, pois ensaios são longos e constantes e o gasto desse esforço é bancado pelo ator com retorno zero até a estreia. O produtor tem que lidar com figurinos e cenários entregues mal feitos e em cima da hora, pois já que ele não pagou antecipado, ele não é prioridade, ainda tem que divulgar com material gráfico de baixo nível, pois é o barato, e não consegue viralizar seu produto na web, pois todos os profissionais envolvidos estão insatisfeitos com o processo e não vão trabalhar além do combinado, e o produtor não é nenhum super homem para fazer tudo sozinho.

A estréia chega sem a parte técnica afiada, sem o elenco ensaiado, sem figurinos e cenário prontos, divulgação mal feita e com quase 80% da bilheteria comprometida, se ele conseguir lotar o teatro. Geralmente o teatro não lota, e as dívidas se acumulam pra outras apresentação, tem atores que chegam a ganhar 10 reais ou menos em algumas apresentações. Muitos se revoltam e abandonam a produção no meio, o que gera mais problemas. Os já citados figurinos e cenários que foram mal feitos vão ficando piores a cada fim de semana e o elenco não se entrosa porque nunca é o mesmo. O resultado é produção sem dinheiro, atores, público e diversos profissionais insatisfeitos e a cia falida e mal falada.

Mas tudo muda quando um bom produtor se vê no mundo das peças genéricas. Essas peças não precisam de publicidade porque os donos dos direitos fazem a publicidade muito bem. Assim só é preciso marketing direto. Panfletagem em escolas e centros com crianças, facebook, whatsapp e instagram, além de banners e faixas em ruas, praças e outros lugares públicos.

"Olha lá, vai ter Frozen no teatro tal, pai... Mãe... eu quero ver".

Teatros pequenos se interessam, pois vêem boa grana vindo em seus 30%, público se interessa, pois se for ruim, pelo menos vou ter uma selfie com o Olaf. E o produtor tem mais chance de ter teatro lotado sem esforço na divulgação e de quebra ele vai poder tomar conta melhor do resto.

Claro que nem toda peça assim quebra banca, a maioria dá prejuízo. Aí entra em cartaz a sacada genial do produtor. Por ano ele lança de três a cinco peças. Se ele erra três e acerta duas, com uma ele paga o prejuízo de três fracassos e com a outra ele vive bem e garante asnecessidades de sua família. Alguns profissionais se dão mal no processo, pois atuaram nas peças que deram errado, no prejuízo eles tem poucas escolhas, ou eles podem arriscar de novo ou eles se afastam de vez. O produtor não se preocupa muito com essa escolha, pois sempre existe um ator buscando chance no mercado e um profissional querendo um extra. Assim ele emplaca entre 52 a 80 apresentações por ano. Se a peça der errado no sábado, outra dá certo no domingo. Se entre 8 apresentações em um mês, duas lotarem o teatro, ele ao menos paga as contas.

De todo mal que isso pode causar, pelo menos é alguém produzindo para o subúrbio, pois quem produz peças de super produção e com direitos em dia, não irá se apresentar em uma arena ou em uma lona cultural, e muito menos em um teatro de clube ou em um teatro de menor porte. Existem vários motivos para o grande produtor não procurar esse teatros, a principal deve ser a falta de estrutura, mas o que pesa é saber que não irão pagar 120 reais em um ingresso de inteira ou 60 reais em um de meia entrada. Um teatro com capacidade para 200 pessoas não irá dar lucro com ingressos populares. Sendo assim as crianças que não podem ver Shrek original no João Caetano, acabam conseguindo ver o genérico.

O erro dessas produções genéricas está no processo e no trato com os profissionais, além da falta de respeito com o produto original e todos os seus idealizadores. O acerto é estar sempre trazendo oportunidades de cultura para pessoas e crianças que tem pouco espaço de apreciá-la, além de dar experiência e tempo de palco para profissionais que não deriam oportunidade em outro lugar. Mas o que me incomoda é que entra ano e sai ano, mas a estratégia não muda. Quando o ano é bom, esses produtores não usam o lucro para inovar e subir de nível, eles aproveitam o lucro para aumentar os recursos e entrar no próximo ano com mais segurança na mesma estratégia. Quando acabam ouçando é para algum festival. Pois contam com o ego dos artistas pra resistir aos ensaios e pela glória e contatos que um prêmio ou indicação podem trazer. Sem contar com a pauta garantida no teatro do festival.

Muito fácil criticar esse mercado sem dar uma solução. Teatro em subúrbio precisa de solução e não críticas, que não sejam construtivas, até porque a Disney e outros gigantes acabam faturando com os genéricos, pois alguns DVDs e brinquedos são vendidos graças a elas. Até por isso essas gigantes não comentam nada sobre o assunto. Teatro do subúrbio precisa de solução, pois se não fosse os genéricos e seus produtores que erram mais que acertam, os teatros estariam vazios e mais falidos do que estão e o público ficaria completamente órfã de qualquer entretenimento nesses locais.

 

Texto: ,
Leandro Ferreira